NO CALOR DA CENA

23º FESTIVAL CENAS CURTAS | NOITE #2

01/09/2022

por Fredda Amorim

A segunda noite do 23º Festival Cenas Curtas começa para mim quando tenho a possibilidade de encontrar e conversar com artistas e público sobre a noite anterior no calor da cena, no calor de minha escrita da madrugada e matinal, momento marcado pelo entendimento da “não-crítica” e de algo que constatamos a partir dessa experiência vivida tão fresca que é o transbordamento do teatro para além de suas questões estruturais e tipológicas, transbordar para além da arte e se encontrar com a vida, com as inquietações cotidianas e pulsantes de quem vive e só quer continuar viva. Arte VIVA, palpável, audível, pulsante, REAL, num movimento que busca ir além de seus limites e descobrir outras formas de fazer, porque é nessa busca que descobrimos aquilo que precisamos, de certo modo, deixar pelo caminho nos processos e aquilo que precisamos escolher levar junto.

Opto, neste momento de escrita, conversa e encontro, fazer um panorama geral da noite de ontem na intenção de provocar os olhares para uma cena mais ampla e estabelecer os ganchos que nos cabe fixar para que aqui, no calor da cena, possamos nos debruçar na feitura dessas ações que também se posicionam nessa amplitude. Procuramos descobrir novos caminhos e rotas para estabelecer diálogo com as demandas democráticas, da história, da política e de todos os elementos sociais que nos tornam sujeitas ou que nos tornam monstras. Vivemos um momento (e não é de hoje) em que a balança do teatro precisa pesar muitas coisas e nós estamos dispondo essas pedras e questões num (in)justo peso entre ética e estética, ARTE E VIDA… Muito mais forte que antes. Arrisco a dizer que hoje é praticamente impossível “teatrAR” sem antes se atravessar e, como pontuamos ontem no nosso encontro, há muito o que vomitar. Essas questões atravessam o fazer, atravessam o cenário e imagens criadas antes e pós-texto, atravessam o público. As cenas da noite do dia 01/09 não estão dissociadas das cenas da noite anterior.

Os temas que sustentam as obras são colhidos de nosso quintal e as criações nutridas por conjuntos e misturas de seivas populares e de inventividade ao paroxismo. É muito complexo descrever os sentimentos em relação às cenas apresentadas nessa noite. Sua grandiosidade estética comove em vários momentos e, além disso, faz rir e pensar em nosso lugar ao SOL e no jogo que precisa ser jogado o tempo todo com o tempo. Esse combo de cenas vistas até hoje no 23º Festival Cenas Curtas do Galpão Cine Horto revela uma verdadeira epifania de beleza e comoção estético-histórica. Tanto as dramaturgias, os textos, as imagens muito bem ornadas pelo conjunto de elementos e expedientes épicos, confluem para a construção/criação de um evento único e brasileiro, carnavalesco no sentido de apresentar momentos revolucionários e até panfletários.

Não é sobre problematizar tudo, mas é sobre ter ciência da importância e, ainda assim, abrir fendas e crateras para questões e reflexões que partem do princípio de que tudo se resolve aqui fora pós-VÔMITO. Finalizo com o desejo de que tais questionamentos possam ser feitos por todas essas corpas, grupos, coletivos, agrupamentos e por todos esses lugares que se criam no tempo espiralar de Leda e que possibilitam vidas e (re)existência fora da pele.

Fredda Amorim é historiadora, Mestra em Artes Cênicas (UFOP) e atualmente doutoranda em Teatro (UDESC). Seu trabalho investiga a performance, intervenções urbanas, teatro, poéticas, processos de criação e performatividade de gênero dentro e fora das instituições. Desenvolve pesquisas, ações e práticas voltadas para as questões de gênero e raça, junto da coletiva plaTaforma QUEERLOMBOS, Coletivo Mica, Academia Transliteraria e MUTHA Brasil. Idealizadora da primeira empresa de produção cultural e comunicação coordenada por uma travesti: SHOWME Produções Artísticas e Comunicação.